Le Jardin -Velho
Presente
Estreitava-se
uma longa faixa de verde-esmeralda constituída de gramíneas nunca notadas
frente à grandeza da mansão de sua infância e aos planos surrealmente
sobrepostos em diversas dimensões dos arredores. Sobre tal tímido começo de
jardim edificavam-se plantas falsamente decorativas: bizarras constituições
semi-naturais, que olhares distraídos não distinguiam do nada.
Vagavam,
por aquele planalto escavado e refeito em planícies de algumas dezenas de
metros quadrados, somente lembranças de quando crianças por lá corriam,
perseguindo, sem aflição, uma felicidade infante, atenta e semioticamente
consciente e coerente de seus pensamentos difusos. A mansão era um conjunto de
apartamentos, cada um no seu, a desembocarem em automóveis imersos em música
contagiantemente oriunda da única coletividade despropositada possível: a das
multidões, dos shows, levadas a relacionamentos “menores”. Os planos eram
morrinhos retos como os prédios a descerem até uma praça vazia em que somente
caminhavam solidões agrupadas, que somente a falta de organização dos
habitantes, tão eficientes em seu dia-a-dia, não possibilitara ser um
estacionamento de propriedades esnobes.
Vivia
lá, numa solidão de lembranças a se confundirem, num apartamento cheio de escritos
à espera da morte indiferente de seu autor e vazio de amigos, que já haviam se
ido, filhos, que não possuíam identidade, somente nomes amarguradamente
pronunciados em seu esquecimento, um senhor de sotaque levemente afrancesado,
imperceptível à medíocre Zeitgeist que não permeava nem deixava de permear as
reles consciências de seus vizinhos. Raramente saía de sua quadra, a mesma em
que vivera com a mulher, filhos, amigos, vizinhos, que conversavam e
partilhavam consigo idéias em um pano de fundo calmo e iminentemente em
mudança. Quando saía, era a fim de ir a algum órgão público, perfeito
representante da fria personalidade de um mundo cada vez mais desconhecido e
que, ao mesmo tempo, não impedia ninguém de o descobrir.
No
centro, a organização fugia-lhe à compreensão: canos esteticamente desordenados
em colorações epiléticas iam a qualquer lugar e vinham de lugar nenhum, levando
não se sabe o quê. À laia das pessoas, vagando objetivamente por entre vielas
enormes a céu abertamente limpo e asséptico.
O
senhorzinho não se sentia perdido, muito pelo contrário, demasiada certeza,
encontrava-se extremamente consciente da atual situação: constrastava-a
esporadicamente com seus tempos românticos de nuvens e esfumos de Debret e
estruturas surpreendentes de Gaudí e Frank Lloyd Wright, já distantes mesmo em
sua juventude a assombrar-lhe com a aura dos grandes gênios mortais, porém
indissociáveis do futuro. Pensava
assim, e sobre assim às vezes em que escrevia, de resto, o mundo continuava tão
normal quanto ao de tempos passados.
Gostava
de escrever sozinho, por entre o decorativo jardim, a rememorar-se de anos como
de sonhos, sempre inconscientemente importantes, aguardando o momento certo de,
ao aproximarem-se aos poucos, tomarem-lhe a alma de assalto. Ambos criando uma
nova realidade, a alma e o senhor, que não se choca com o Real, somente
dissolve-se nele, mudando-lhe o gosto ou deixando-lhe alguma incoerência sob
forma de precipitado, desprezível essência.
Maravilhosa
incoerência que ocupa despretensiosamente seu ideário já desiludido, lentamente
à procura de novos vícios para acumular: iludir-se, já desacreditado,
incoerente em sua integridade coesa de sábio desconhecido.
O
jardim abria-se ao velho. Puxava pela maçaneta leve a porta-secreta que
escondia uma desestrutura ainda mais secreta. De loucuras de maré baixa,
sedimentadas pelo tempo, de viveres de baixa intensidade, de grandezas em suas
pequenas partes, infindas, talvez, de emoções inflexíveis de expressão a nunca
descobrirem-se por inteiro- para quê? Para mostrar cicatrizes?- de respirações
lentas, sem lembranças.
O
novo jardim era significativo e gigantesco, como qualquer coisa aos olho
sensíveis de infante, que embaça sua vista no decorrer do viver. Le Jardin era
mais belo do que seria a um infante: possuía a benção de dar bálsamo às
feridas, que esses não ainda obtiveram, de remover-lhe a impassibilidade, já
permeada ao indivíduo mesmo ali, onde haveria justificativa para expulsá-la. A
verdura dos labirintos no qual queria perder-se, porém com bússola para poder
retornar - não mapa para desiludir em sua totalidade certa. A inexistência da
companhia já fúnebre da amada esposa, somente a memória de seu suave toque. O
éter do viver com a obrigação de fugir a qualquer realidade.
Saído
do portão, instantaneamente voltava-lhe a racionalidade emotiva de
comportar-se, sem quaisquer possíveis oposições em seu interior. Lá, sem culpa,
seus belíssimos e ainda mais raros escritos: tolamente verdadeiros.
Não
retornava por seus escritos, que levavam, por meio de suas imperfeições e
consciência tóxica ao sonho, sombra à luz onipresente e igual do jardim sem
estruturas possíveis fora dele. Depois de os ler não os queimava, ato demasiado
dramático, simplesmente os jogava ao limbo: léu e esquecimento de si, um gaveteiro
surdo recheado de possibilidades, impossíveis.