Fiat Lux
O
gás aleatório agitava-se a nível de redimensionar as forças a seu redor: luz
emissa* de sua fraqueza em engrandecer-se e não o poder saía em jatos
alternados de diversos campos inúteis frente ao obsessivo fim de fugir, destino
de ampliar-se. Vazam por entre as diversas camadas do cada vez mais
inconveniente mercúrio -a quem poderia ter devido a vida- enclausurado,
resignadamente, não sem algum prazer, na lâmpada, por sua vez limitada ao sol
radial que gera ao luzir. É inevitável que vá embora.
Que
se faça a luz, e a sombra se fez. Tudo se fez pelo toque de olhos luminosos**
(por quem?) aos arredores inexistentes***. Lamparinas que tentam desvendar as
próprias sombras, perfeitas pelo iluminar: seu poste antecedente que o ergue
sem ser visto -fazendo-o luz-, a essência que lhe perpassa o interior e fá-lo
brilhar.
Pequizeiros,
muros improváveis, casas, palmeiras falsamente decorativas, propriedades
estranhamente harmonizadas numa rua comum.
Luz.
O chão de lixa agora arranha mais. Não vejo mais os distantes arredores, só a
dor. Um passo, arrastado, só mais um e enfio-me no aconchego até ficar bem.
Sim, vou ficar bom e caçar cigarras. Centenas de cigarras, até já começou a
chover aquele cheiro de terra molhada, choverão cigarras, milhares de cigarras
gordas e barulhentas.
Por
que minha mãe foi embora? Faz tanto tempo e ainda não consegui entender. Meus
irmãos, os que viveram, os mortos também brincavam comigo, vieram a se
acostumar, o mais velho gosta do buraco na rua detrás dos muros verdes. E essa
luz? Era maior, pelo menos antes, e havia um menino perto, bem ali. Minha mãe
era linda, de listas avermelhadas e pelo cor de saruê, saruês também
gordíssimos e estúpidos, que a minha mãe nos entregava para brincarmos.
Minha perna
dói, assim como a do meu irmão mais novo, que se arranhou na cerca, morreu
chorando, e a minha mãe teve de fazer-nos come-lo, como as cobras comem os
filhos doentes, bichos nojentos! Passam sibilando na grama, à laia do vento nas
árvores, a trazer notícias de algum mundo que nunca se virá a conhecer,
distante e recheado de significados, talvez subsolos lotados de baratas e
lugares para se estar, sozinho, sem dor.
Deve ser horrível morrer envenenado. Um primo meu meteu-se a comer o que os homens lhe davam, estúpido! Puseram-lhe venenos no café-de-uma-manhã-límpida-pós-chuva, morreu sem ver os besouros, os grilos e gafanhotos, mariposas, até as cigarras...
Deve ser horrível morrer envenenado. Um primo meu meteu-se a comer o que os homens lhe davam, estúpido! Puseram-lhe venenos no café-de-uma-manhã-límpida-pós-chuva, morreu sem ver os besouros, os grilos e gafanhotos, mariposas, até as cigarras...
E como dói...! De repente, essa
distância ridícula ficou enorme, cheia de ondulações, onde está minha mãe? Ele
morreu estrebuchando, até parar sob os olhares aterrorizados de seus parentes.
Naquele dia vi um menino...
Mais luz?! Esses malditos homens têm
preguiça de andar: Por que vão tão longe? Conheci um gato, abestado e esnobe,
siamês, que dizia que seus donos (?) iam a lugares estranhos: depois daquele
monte de água, fazendo todo dia uma coisa ou outra parecida. Tenho de sair da
frente senão matam-me, só isso sabem fazer.
Nem sinto mais minha perna. O que
esses vermes devem estar pensando? Será que pensam? Provavelmente não... Ainda
bem que minha mãe não está aqui para ver isso. Seus pelos eram da cor desse
carro... Ah, é só a luz. O pelo da minha mãe tinha só a cor da luz?! Dane-se,
não interessa, essa luz estranha é desnecessariamente forte, e tinge o céu de
laranja quando não deveria. A do carro também é forte, vou-me embora, o buraco
é tranqüilo e fundo! Como farei para então sair? Vou morrer novo, sem ver os
pequis espinhentos chamando pássaros deliciosos, sem amigos, sem a gatinha de
manchas cinzas, sem precisar entender a**** nada, sem dor, talvez.
Que lindo menino! Ele também tem
olhos como os meus. O que faz aqui? O carro já foi embora.
Ele está olhando para mim, por quê?
Também não sei por que me lembro agora de um jardim que nunca vi, repleto de
sombras acolhedoras e reentrâncias perfeitas para se descansar. Infelizmente
não deve ser real, pois não há teto, nem foco, nem sentido.
O que dizes menino? Que o sentido é
frágil e limitante? Perfeitamente, as coisas, no sentido, existem somente em
certeza, nunca em possibilidade de somente poder ser, simplesmente, (dúvida).
Aquela casa, por exemplo, é a da gatinha cinza, sim. Também gostaria de
saber-lhe os pensamentos, os acontecimentos são extremamente desinteressantes
sem eles, meras ocorrências que (não) podem nos maravilhar. A graça é não poder
faze-lo? Não concordo, seria muito mais... simples. Porém, deves estar certo,
tudo ficaria muito sem sentido.
O que é você? Não é essa a pergunta?
Está bem... Se eu tivesse um desejo? Acho que gostaria de poder entender...
Não! Só minha perna, na verdade, é o mais importante. Não podes isso fazer?
Talvez minha mãe de volta, com suas listas cor de terra do cerrado, tortas como
árvores com jaguatiricas e outros bichos que nunca vi. Em verdade mesmo...
E tudo começou com(o) um murmúrio,
crescente, gigantesco.
“Sempre essas conversinhas
desinteressadas, fúteis, só quero realmente poder te amar...”
“Ler, dormir, amanhã dar aula.”
“Uma linha leva a uma maior, D4,
CF6...”
“Aquele livro é bom mesmo.”
“Então, o vendedor de gado foi seu
vingador, e assim as coisas repetir-se-iam, o jogo do sangue...”
Nada muito claro assim, somente um
reflexo que é o verdadeiro, que um prisma torna certo por imagem.
Então nada, somente as coisas a
refletirem a luz, o poste a cria-las: o menino, o carro, os muros, tudo.
Sem mais luz, o gás aquietou-se.
Sem a luz, talvez as coisas
brilhassem, talvez até mais forte...
*Não sem
alguma participação nisso.
**Não com
total responsabilidade por isso, imagina-se.
***Essa
palavra poderia existir?
****Não fica bem melhor assim?