quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Fiat Lux


Fiat Lux

            O gás aleatório agitava-se a nível de redimensionar as forças a seu redor: luz emissa* de sua fraqueza em engrandecer-se e não o poder saía em jatos alternados de diversos campos inúteis frente ao obsessivo fim de fugir, destino de ampliar-se. Vazam por entre as diversas camadas do cada vez mais inconveniente mercúrio -a quem poderia ter devido a vida- enclausurado, resignadamente, não sem algum prazer, na lâmpada, por sua vez limitada ao sol radial que gera ao luzir. É inevitável que vá embora.
            Que se faça a luz, e a sombra se fez. Tudo se fez pelo toque de olhos luminosos** (por quem?) aos arredores inexistentes***. Lamparinas que tentam desvendar as próprias sombras, perfeitas pelo iluminar: seu poste antecedente que o ergue sem ser visto -fazendo-o luz-, a essência que lhe perpassa o interior e fá-lo brilhar.
            Pequizeiros, muros improváveis, casas, palmeiras falsamente decorativas, propriedades estranhamente harmonizadas numa rua comum.
            Luz. O chão de lixa agora arranha mais. Não vejo mais os distantes arredores, só a dor. Um passo, arrastado, só mais um e enfio-me no aconchego até ficar bem. Sim, vou ficar bom e caçar cigarras. Centenas de cigarras, até já começou a chover aquele cheiro de terra molhada, choverão cigarras, milhares de cigarras gordas e barulhentas.
            Por que minha mãe foi embora? Faz tanto tempo e ainda não consegui entender. Meus irmãos, os que viveram, os mortos também brincavam comigo, vieram a se acostumar, o mais velho gosta do buraco na rua detrás dos muros verdes. E essa luz? Era maior, pelo menos antes, e havia um menino perto, bem ali. Minha mãe era linda, de listas avermelhadas e pelo cor de saruê, saruês também gordíssimos e estúpidos, que a minha mãe nos entregava para brincarmos.
Minha perna dói, assim como a do meu irmão mais novo, que se arranhou na cerca, morreu chorando, e a minha mãe teve de fazer-nos come-lo, como as cobras comem os filhos doentes, bichos nojentos! Passam sibilando na grama, à laia do vento nas árvores, a trazer notícias de algum mundo que nunca se virá a conhecer, distante e recheado de significados, talvez subsolos lotados de baratas e lugares para se estar, sozinho, sem dor.                    
             Deve ser horrível morrer envenenado. Um primo meu meteu-se a comer o que os homens lhe davam, estúpido! Puseram-lhe venenos no café-de-uma-manhã-límpida-pós-chuva, morreu sem ver os besouros, os grilos e gafanhotos, mariposas, até as cigarras...
           E como dói...! De repente, essa distância ridícula ficou enorme, cheia de ondulações, onde está minha mãe? Ele morreu estrebuchando, até parar sob os olhares aterrorizados de seus parentes. Naquele dia vi um menino...
           Mais luz?! Esses malditos homens têm preguiça de andar: Por que vão tão longe? Conheci um gato, abestado e esnobe, siamês, que dizia que seus donos (?) iam a lugares estranhos: depois daquele monte de água, fazendo todo dia uma coisa ou outra parecida. Tenho de sair da frente senão matam-me, só isso sabem fazer.
           Nem sinto mais minha perna. O que esses vermes devem estar pensando? Será que pensam? Provavelmente não... Ainda bem que minha mãe não está aqui para ver isso. Seus pelos eram da cor desse carro... Ah, é só a luz. O pelo da minha mãe tinha só a cor da luz?! Dane-se, não interessa, essa luz estranha é desnecessariamente forte, e tinge o céu de laranja quando não deveria. A do carro também é forte, vou-me embora, o buraco é tranqüilo e fundo! Como farei para então sair? Vou morrer novo, sem ver os pequis espinhentos chamando pássaros deliciosos, sem amigos, sem a gatinha de manchas cinzas, sem precisar entender a**** nada, sem dor, talvez.
           Que lindo menino! Ele também tem olhos como os meus. O que faz aqui? O carro já foi embora.
           Ele está olhando para mim, por quê? Também não sei por que me lembro agora de um jardim que nunca vi, repleto de sombras acolhedoras e reentrâncias perfeitas para se descansar. Infelizmente não deve ser real, pois não há teto, nem foco, nem sentido.
           O que dizes menino? Que o sentido é frágil e limitante? Perfeitamente, as coisas, no sentido, existem somente em certeza, nunca em possibilidade de somente poder ser, simplesmente, (dúvida). Aquela casa, por exemplo, é a da gatinha cinza, sim. Também gostaria de saber-lhe os pensamentos, os acontecimentos são extremamente desinteressantes sem eles, meras ocorrências que (não) podem nos maravilhar. A graça é não poder faze-lo? Não concordo, seria muito mais... simples. Porém, deves estar certo, tudo ficaria muito sem sentido.
           O que é você? Não é essa a pergunta? Está bem... Se eu tivesse um desejo? Acho que gostaria de poder entender... Não! Só minha perna, na verdade, é o mais importante. Não podes isso fazer? Talvez minha mãe de volta, com suas listas cor de terra do cerrado, tortas como árvores com jaguatiricas e outros bichos que nunca vi. Em verdade mesmo...
           E tudo começou com(o) um murmúrio, crescente, gigantesco.
           “Sempre essas conversinhas desinteressadas, fúteis, só quero realmente poder te amar...”
           “Ler, dormir, amanhã dar aula.”
           “Uma linha leva a uma maior, D4, CF6...”
           “Aquele livro é bom mesmo.”
           “Então, o vendedor de gado foi seu vingador, e assim as coisas repetir-se-iam, o jogo do sangue...”
           Nada muito claro assim, somente um reflexo que é o verdadeiro, que um prisma torna certo por imagem.
           Então nada, somente as coisas a refletirem a luz, o poste a cria-las: o menino, o carro, os muros, tudo.
           Sem mais luz, o gás aquietou-se.
           Sem a luz, talvez as coisas brilhassem, talvez até mais forte...

*Não sem alguma participação nisso.
**Não com total responsabilidade por isso, imagina-se.
***Essa palavra poderia existir?
****Não fica bem melhor assim?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Fugue Poètique


A leitura é a cura
A literatura, pura
Muda com sua ternura
Usa todo o seu carinho
Apaga a nossa rasura
Oh, Fabuloso cupido!                                               
Na loucura, na censura
Mostre o caminho
Perfura com a bravura
Ao saber desconhecido
Adorável escritura
De doces letras que trazem
O símbolo do divino
Apura nossa cultura
É nosso querido hino!

sábado, 13 de outubro de 2012

Janela, Janelinha

Janela, Janelinha

          Um impulso ressona, perfazendo-se em todos os pontos cardeais de todas as dimensões: em direção àquele sofá, em que tantas tardes de férias e tempo inútil se passaram; por de fora da janela pela qual vejo o caminho a ser percorrido até alguma indefinição de imprevisível sem novidade; pela quarta dimensão: presente, futuro, passado... O quartzo geme (em) sua angústia de aleatório incontrolável frêmito, intrínseco à sua existência não pensada, desencadeando timidamente o impositivo tempo, de pensar. Desencadeando, como quem abre uma caixa de Pandora, a sequência de acontecimentos que se permite a existir.
       Um quê de inexplicável ressoa nas imagens desbotadas do passado, tão semelhantes a uma miopia quanto é um quadro impressionista do átimo de experiência- algum raio desfiado de Sol- que pintou em sua existência a bela ideia de fazê-lo e percebê-lo pelos significados que vir-se-ão adsorver. Alguma mudança que me impossibilita de perceber os ângulos com os quais faço as coisas serem vistas, e foram vistas. Somente conheço à possibilidade e ocorrência de ângulos, talvez não realmente necessários.
          Ano passado, ainda presente em lembranças despropositadas de fachadas de prédios imersos em verde, grande mérito dessa cidade, onde as ruas brotam da grama. Observava longamente o umbral de onde vi os mais diversos pontos aos quais me ligaria sem poder diferenciá-los até então. Ali principiei a saber como se sente um peão de xadrez, a considerar seu rei, a esperar seu martírio por um fim maior, fim que nunca saberá, apesar de anotado para uma posteridade indiferente, externo a sua real existência, a ver entre os mais diversos quadradinhos de vida, seus andares, prateleiras de individualidades, próprias, em conjunto, quartos inteiros vistos de uma vez as montes em pequenos pedaços recortados. Quem poderia ser, dentro do que sou? Quantas existências partilham-se aqui sem conhecer-se? Se tantos podem ser, quantos podem ser eu?  Eu, meu futuro somente presente e os outros a não existirem, somente em seus lugares devidos, janelas?
             Agora também vejo diversos compartimentos, partes de mim que morreram. Carrego seus pêsames e cadáveres continuamente em forma de lembranças e presente. Desgastam-se como uma pele a ser trocada e hipocritamente repudiada, coerentemente humano. E os outros a serem humanos comigo, na vantagem de instigarem-me a ver, a partir de mim, a tudo, a mim, a tudo, eu. Também esses trocados...
             Porém há um pesar, por quê? Temer por tudo que deveria ter feito, com propriedade de poder arrepender-se é normal. O estranho é sofrer em tentar achar algo coerente nessa dragagem de deposições de movimentos de ponteiros, ordenações práticas que retornam para buscar sua causa. Consciente inconsciente de sua causa, somente de sua existência.
            Um exercício de matemática sem calculadora, naquele escritório com cheiro de infância e ambiente que me ensinou a reconhecer simbolicamente o conhecimento por papéis jogados não ao acaso, ligados ao acaso, e percepções vagas que se desenvolvem agudamente a qualquer faísca àquele fim maior, um meio propenso a cristalizar-se supersaturado em uma obra legada ao esquecimento ou duas linhas de um livro de História, prêmios desinteressados e um trabalho de uma vida de formiga. Pega-se a tábua de logaritmos, sob a sombra de prédios romântico-coloniais de um falso século XIX e semióticas estruturas de 50. Potenciações engrandecedoras, raízes intrincadas, deliciosas de resolver, como responder a perguntas guardadas a perderem seu sentido único, divisões racionalíssimas, multiplicações reversas, uma soma? Uma simples soma? Não posso usar os logaritmos divinos. Não sei somar! Não sei nada!! 
            Sinto pelo exemplo idiota, porém é perfeito. Por complexar o quotidiano, sem fazer disso um sequer pensamento desenvolvente de alguma filosofia sistematicamente inútil por sua falta poética de aplicação filosófica, somente estética, somente perdemos a possibilidade de ver a complexa simplicidade dos fatos, existentes para si, possuindo todos, mesmo que estruturados, o exato mesmo nível de interpretação para julgamento: valor. Esse é o poder destrutivo da dialética: fazer ser uma janela sem contraste frente à linearidade de seus conseguintes.
              A fraqueza do foco faz-nos ser múltiplos, fracos, subjetivos, incoerentes, fortes, humanos... Cria o tempo por necessitar dele para ver tudo em sua volta e para impressionar-se com a sua passagem. Somente o foco possibilita ver adentro de um quarto: seu recheio de identidades mal-formadas, dentro de um passar de ponteiro, desmoronamentos subsequentes. A fora de uma trilha: os ipês que a circundam.  Isso que interessa, pois nunca se conseguirá ver dentro do interior do que se está para fazer o resto existir, nunca se verá o interior de uma quartzo. Há, porém a linha e o horizonte que a finda... Finita.
             
              
            
           




sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Le Jardin -Velho Presente


Le Jardin -Velho Presente

            Estreitava-se uma longa faixa de verde-esmeralda constituída de gramíneas nunca notadas frente à grandeza da mansão de sua infância e aos planos surrealmente sobrepostos em diversas dimensões dos arredores. Sobre tal tímido começo de jardim edificavam-se plantas falsamente decorativas: bizarras constituições semi-naturais, que olhares distraídos não distinguiam do nada.
            Vagavam, por aquele planalto escavado e refeito em planícies de algumas dezenas de metros quadrados, somente lembranças de quando crianças por lá corriam, perseguindo, sem aflição, uma felicidade infante, atenta e semioticamente consciente e coerente de seus pensamentos difusos. A mansão era um conjunto de apartamentos, cada um no seu, a desembocarem em automóveis imersos em música contagiantemente oriunda da única coletividade despropositada possível: a das multidões, dos shows, levadas a relacionamentos “menores”. Os planos eram morrinhos retos como os prédios a descerem até uma praça vazia em que somente caminhavam solidões agrupadas, que somente a falta de organização dos habitantes, tão eficientes em seu dia-a-dia, não possibilitara ser um estacionamento de propriedades esnobes.
            Vivia lá, numa solidão de lembranças a se confundirem, num apartamento cheio de escritos à espera da morte indiferente de seu autor e vazio de amigos, que já haviam se ido, filhos, que não possuíam identidade, somente nomes amarguradamente pronunciados em seu esquecimento, um senhor de sotaque levemente afrancesado, imperceptível à medíocre Zeitgeist que não permeava nem deixava de permear as reles consciências de seus vizinhos. Raramente saía de sua quadra, a mesma em que vivera com a mulher, filhos, amigos, vizinhos, que conversavam e partilhavam consigo idéias em um pano de fundo calmo e iminentemente em mudança. Quando saía, era a fim de ir a algum órgão público, perfeito representante da fria personalidade de um mundo cada vez mais desconhecido e que, ao mesmo tempo, não impedia ninguém de o descobrir.
            No centro, a organização fugia-lhe à compreensão: canos esteticamente desordenados em colorações epiléticas iam a qualquer lugar e vinham de lugar nenhum, levando não se sabe o quê. À laia das pessoas, vagando objetivamente por entre vielas enormes a céu abertamente limpo e asséptico.
            O senhorzinho não se sentia perdido, muito pelo contrário, demasiada certeza, encontrava-se extremamente consciente da atual situação: constrastava-a esporadicamente com seus tempos românticos de nuvens e esfumos de Debret e estruturas surpreendentes de Gaudí e Frank Lloyd Wright, já distantes mesmo em sua juventude a assombrar-lhe com a aura dos grandes gênios mortais, porém indissociáveis do futuro.  Pensava assim, e sobre assim às vezes em que escrevia, de resto, o mundo continuava tão normal quanto ao de tempos passados.
            Gostava de escrever sozinho, por entre o decorativo jardim, a rememorar-se de anos como de sonhos, sempre inconscientemente importantes, aguardando o momento certo de, ao aproximarem-se aos poucos, tomarem-lhe a alma de assalto. Ambos criando uma nova realidade, a alma e o senhor, que não se choca com o Real, somente dissolve-se nele, mudando-lhe o gosto ou deixando-lhe alguma incoerência sob forma de precipitado, desprezível essência.
            Maravilhosa incoerência que ocupa despretensiosamente seu ideário já desiludido, lentamente à procura de novos vícios para acumular: iludir-se, já desacreditado, incoerente em sua integridade coesa de sábio desconhecido.
            O jardim abria-se ao velho. Puxava pela maçaneta leve a porta-secreta que escondia uma desestrutura ainda mais secreta. De loucuras de maré baixa, sedimentadas pelo tempo, de viveres de baixa intensidade, de grandezas em suas pequenas partes, infindas, talvez, de emoções inflexíveis de expressão a nunca descobrirem-se por inteiro- para quê? Para mostrar cicatrizes?- de respirações lentas, sem lembranças.
            O novo jardim era significativo e gigantesco, como qualquer coisa aos olho sensíveis de infante, que embaça sua vista no decorrer do viver. Le Jardin era mais belo do que seria a um infante: possuía a benção de dar bálsamo às feridas, que esses não ainda obtiveram, de remover-lhe a impassibilidade, já permeada ao indivíduo mesmo ali, onde haveria justificativa para expulsá-la. A verdura dos labirintos no qual queria perder-se, porém com bússola para poder retornar - não mapa para desiludir em sua totalidade certa. A inexistência da companhia já fúnebre da amada esposa, somente a memória de seu suave toque. O éter do viver com a obrigação de fugir a qualquer realidade.
            Saído do portão, instantaneamente voltava-lhe a racionalidade emotiva de comportar-se, sem quaisquer possíveis oposições em seu interior. Lá, sem culpa, seus belíssimos e ainda mais raros escritos: tolamente verdadeiros.
            Não retornava por seus escritos, que levavam, por meio de suas imperfeições e consciência tóxica ao sonho, sombra à luz onipresente e igual do jardim sem estruturas possíveis fora dele. Depois de os ler não os queimava, ato demasiado dramático, simplesmente os jogava ao limbo: léu e esquecimento de si, um gaveteiro surdo recheado de possibilidades, impossíveis.
            

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

PEDRAS DE CALCÁRIO, GRÃOS DE CARBONATO


PEDRAS DE CALCÁRIO, GRÃOS DE CARBONATO

Observo-me, nesses dias tão confusos, cujas situações ordenam-se em lembranças bem definidas e os próprios quadradinhos de calendário fazem-se sentir diferenciadamente pelo esquecimento gradual dos que os antecederam. Prenuncio que, passada a vertigem de existir em lá menor, triste, porém certo, haverá de retornar a costumeira mediocridade sem contrastes antecedente desse agora que me impõe esquecer. Certifico-me do meu passado com a noção de que não foi de todo necessário existir, somente ocorreu para passar mais rapidamente o tempo.
Um dia sem lembranças é como uma noite sem sonhos: uma total perda de tempo durante nossa necessidade de continuar existindo e impossibilidade de largar de vez tal existência. Devo ser extremamente presunçoso ao imaginar que os pensamentos determinam alguma grandeza de espírito como que em conformidade com sua forma de majestade grandiloquente, habitante esse único do intervalo entre ver e com o visto dizer, o espírito extremamente mutável em seus efeitos, mas constante em sua essência mística. Os julgamentos são resultados do viver, entretanto, não podemos sobreestimar nossa atual constituição de tal fórum e elevar a máximas as condições que esse absorve e as visões que adsorve. Posso julgar agora, na vantagem de ser despreocupado de meus atos abstratos - não demasiado levados a sério - na propriedade de não ter de carregar todas as definições que faço, as quais moldam o caráter antes por erosão que por solidificação.
Esse é o poder da desilusão: desgastar e destruir para moldar e fazer-se existir. Tudo o que é absoluto, em todas as suas ligações, se também não notáveis, não é notável. Os choques no tempo marcante de existir e ser eterno e absoluto em cada efêmero pensar não traumatizam, desgastam. Desiludem em placas de perigo fincadas ao infinito os enormes blocos rochosos bem construídos que despencam erodidos pelas pontas, como que algo independente que se solta sem mais a legitimidade de ser eu, somente meu. Esburacam os falsos sólidos que quando forçados desmancham em grãos de areia indefiníveis em nossa baixa-estima e por muito tempo dignos de nossa confiança compassiva.
Vejo, nesses dias que hão de marcar-me, como marcaram certos dias simbólicos de minha infância, e cujos significados preocupam-me menos que o ímpeto de assegurar-me que devidamente existiram, mudança. A iminência de mudança é uma das coisas mais inesperadamente estranhas e inexplicáveis ao existir, apesar de integrar-se bem às situações do raciocinar, vem na calmaria e não modifica nada, inicialmente, dissolvendo-lhe por dentro a Realidade. Então, o choque, e se faz necessário, como que por conseqüência de um processo natural, arranjar outro jeito de pensar, viver. Não de sentir, o que o comprova são os sonhos: sempre sonhados a mim de igual maneira, assumindo a posição de referencial inercial para essa dinâmica caótica que é a vida, e que tentamos explicar. Há mesmo períodos em que se descreditam os sonhos, é vergonha levá-los a sério, deixe-se perder na Razão, então.
Creio que toda lembrança também existe de mesma maneira, variando somente nosso humores e, por conseguinte, sua expressão nostálgica. A aleatoriedade caótica não me agrada quanto à integridade, pois há tanto encontros surpreendentes quanto desencontros deprimentes na vida, e, com tantas variáveis mentais, deve haver alguma inter-relação estatisticamente apreciável entre essas e a Realidade.
Vejo-te de lembranças de diversos e platônicos amores que futilmente poderiam ter chegado a concretizarem-se ao repelir todo e qualquer planejamento inútil, porém indispensável, e incoerente com as formas do amar. Porém a essência de ti como, abstrai, objeto é diferente de todo e qualquer sentimento já me ocorrido: deve ser tu a variável, assim como bem poderia ser eu e vós todas essencialmente iguais, que me cativam de maneiras diferentes e me fazem amar cada um de seus diferenciais, aos quais me agarro como a certificar-me da possibilidade disso existir frente à mediocridade do rotineiro não sentir e não lembrar.
Verdadeiramente quero jogar as ações retrógradas do passado ao que já passou e construir novos passos não por cima dos que evidenciam como cheguei até aqui, alguns já apagados pelo onipresente e seletivo a sua maneira vento do esquecimento, o qual também erode o que posso ser, tornando-me o que sou.
Quero utilizar-me de uma luneta ao contrário e botar a distanciar-se essa maldição que nega a mim. Esse eu notável só no presente de possível observância porque restringe-se aos que sozinhos trilharam seu caminho e o sabem, mesmo que de modo difuso, reconhecer. Aos que levantaram a poeira que carregada limou os pesos das incoerências e moldou a desilusões e a anos o que sou. Mais: o que não sou.




O Cheiro - Ritual Verdadeiro

O Cheiro - Ritual Verdadeiro

              Como? De onde? De quando vinha aquele cheiro, aquela sensação desencadeante de qualquer coisa que pudesse vir a acontecer. O momento de iminência era dominante, absoluto? Não. Sempre há alguns  buracos a evidenciarem a supremacia do espírito do momento. Sombras a imergir nas luzes, luzes cegantes emergindo no tranquilo e simples estar somente.
                Ser algo estranho a determinação da possibilidade de algo, frente à noção de que tudo determina-se por fatos observáveis, ou já observados, ser algo inútil desconstruir o que é feito é pensamento comum, do qual por longos períodos compartilho. Então deve-se tentar ao menos reconhecer, por trás de tal ilogicidade, uma emoção, por detrás a observar-lhe com desdém a racionalidade. Sobre emoções não há hierarquia, ordem, são perfeitas, nem há, talvez, possíveis explicações, pois são essas a base, imutáveis, dão-nos somente somente seus efeitos no entrecercar existente entre a alma e o mundo, o consciente. Cerca  o mistério, amplia-o e também o mundo, fá-los serem gigantes, porém vistos de ângulo por ângulo, somente: por entre ameias de castelo, seteiras defensivas e medrosas.
                As inutilidades do caos tornam-se belas somente acompanhadas pelas ou inscritas na ordem, essa fraqueza de de sentir simplesmente. Fazia-se, então, o caos presente? Sim, não... A ordem existia, existe, a limpar o que se suja com mais intensidade, exponencialmente crescendo de acordo com o que crescia em maior ordem lá. É soterrada, mas existe, em ordem de se poder defini-la. Afinal de contas onde há, pode haver ordem, há caos.
               Quanto ao que se podia sentir, ou que não existia, guarde-se no interior tolo de cada ante-ímpeto de ver, o pensar. Esse sempre sempre separando o ver do primeiro simplesmente viver. O que era real, se é que isso é possível, era o cheiro... Emanava de dentro de mim como a ser reconhecido à laia de algo de alguém perfeito, alguém que até aquele instante só se havia confirmado no indivisível mundo dos juízos e suposições sê-lo, agora, verdade.
               Não é possível que só nós, cada um, existamos, não posso resignar-me à aleatoriedade, apesar de sendo, podendo ser, as causas do haver as mais diversas. Sei que a beleza, essa sempre será a mesma, a do produto. Há consciência que se inebria da beleza de existir e constrói-se também dessa, a demais, em qualquer pensar isso ocorre. É mais possível haver a consciência criado a si dialeticamente da luz e sombra, das mais confusas gênesis, do que ter sempre existido, a se iludir: vazia quando não enrolados em nós que se desmancham ao mais costumeiro puxão. Por conseguinte, o cheiro não se tornara, era, não se criava, existia:  eu me crio, essa é a verdade, a qual sempre passará por mim, assim como passa o sentir daquele momento. Um instante de verdade suprema entre suprimidos nós, heróis-de-um-dia.

And then nothing
Nothing will keep us together
We will beat them
Forever and ever

But we can be heroes
Just for one day
We could be us
Just for one day

                   Se bem que aquele não era meu costumeiro eu. Enfim... 
                Tudo que não estávamos naquele longo momento era propriamente juntos. Ainda tateávamos, não às cegas, muito pelo contrário, porém sem muita consciência do que se fazia, procurando algo a que se agarrar- digo-o por mim.
                   A verdade era o cheiro e que, naquela cena tão verdadeira e cravada ao menos em meu ser, fosse o que fosse, éramos heróis, depois poderíamos não mais o ser, nem mesmo mais naquele futuro passado momento fatídico de encruzilhadas. Acompanhava-me de David Bowie, e sua voz permeante e solidificadora de possíveis especificidades a perderem-se, consciente da fluida insensatez dos sentimentos e de sua tendência e ímpeto de tornarem-se em Realidade: o sonho.
                   Via-a em faces nunca antes vistas, umas não em você, outras não em ninguém. E o cheiro, o passado a perseguir-me em lembranças desesperançosas de falhaços que tinham tudo para dar certo, a possuir-me com fútil identidade de ser exterior que chega e se vai. Porto Alegre, 2008, mudanças, agora esquecimento:

"Modify turbat, tunc evanescit"

                    Apesar de tudo estava- acho- imperturbável, desinteressantemente imperturbável e flexível ou tolamente emotivo: imperfeito? Só agora, pois tu possuis a apaixonante característica de acalmar e fazer não inerciar-se estupidamente os dizeres, os meus. Durante o período: tranquilo, observando e absorvendo qualquer informação não-filtrada, posto que feito em constante naturalidade e crescente paixão, que me vinha.
                   Agora noto os erros. Notarás as falhas? Revelar-se-ão os traumas de acertos e desacertos ,meticulosamente adsorvidos no viver não mais por mim do que pela angústia?
                      O que será agora? Sinto que muito há para ser dito, mas não obrigatoriamente, o impulso inicial perdeu-se nos intrincados labirintos dos relacionametos, não em vão!
                     Palavras, essas sei usar e saberei!
                   Disse-as, agora não as ligo: esporadicamente lembro de algum trecho, desimporto-as, marcam-me os êfemeros dizeres, os verdadeiros pensares: as emoções, inebriadas no cheiro. Agora dissolvem-se as palavras em novos planos, sempre descartados, a inconscientemente sobreporem-se, como passos, a custo sobre os que foram pisados primeiro. As palavras depois de ditas voam em liberdade, confundindo-nos em sua majestade, da masmorra que as criou e ambas querem mutuamente destruírem-se. Cronos onipotente ajoelha-se derrotado frente à liberdade perfeita em suas imperfeições que possuis e possuem também as palavras, sem acaso. Perde-se o sentido, independente, por ora, do que fora dito, oriundo, deveria ser, do que me recordo. Espero que as tenha feito permear a ti:

'Cause words
Those are the only
Thing... I have
To take your heart 
Away

Are only words
The only thing 
I Have...
To take your heart
Away

                   Não há mais iminências, nem cheiro, nem tu, somente tua lembrança em mim e tuas impressões sobre essa cortina de teatro atrás do qual há o mundo e a sua frente os outros, e eu.
                    Por ora...?


                   

Fuga

Nas letras escritas por sua mão
No doce e calmo tom de sua voz
Yukashimi contêm sua aflição
E se protege contra o ataque atroz

Canta para alcançar o umbral de sua
Felicidade gauche, bela, nua
Mesmo sendo apenas uma evasão,
Elas trazem ao vazio, compaixão

Canta também querendo agradecer
A única amiga de sua paixão
Por nunca deixar, ela não vencer

''Ah! Minha amiga de doce ternura!
Nunca abandone meu coração!
Minha única amiga: literatura!"